Parcerias Público-Privadas na Saúde

15-07-2023

As parcerias público-privadas (também conhecidas como PPPs) são um assunto frequentemente debatido na política portuguesa e na sociedade em geral, porventura devido à carga ideológica que lhes está subjacente. Quando se mencionam as PPPs, a tendência natural é pensar automaticamente nas PPPs rodoviárias, cujos resultados assumidamente ruinosos moldaram a opinião pública sobre este termo. Mas haverá razão para pensar nas PPPs na saúde da mesma maneira?

O que são PPPs?

As PPPs são contratos de longo prazo entre entidades públicas e privadas para a prestação de serviços públicos nos quais ocorre uma significativa transferência de risco para estas últimas, uma vez que são responsáveis pela gestão e são remuneradas de acordo com o seu desempenho, nomeadamente no que concerne à sua eficiência e qualidade. No fundo, as PPPs têm como fundamento o estabelecimento de uma relação duradoura de cooperação em que as duas partes envolvidas partilham riscos, custos e benefícios, com adição de valor para ambas. Este tipo de gestão partilhada emergiu da conclusão, com base na avaliação do Value for Money (VfM), de que em determinados contextos as vantagens da sua execução, em termos de custos, qualidade ou quantidade, superariam as da construção e/ou gestão exclusivamente públicas. Existem em Portugal PPPs no setor rodoviário, da saúde, portuário, ferroviário e aeroportuário. Neste artigo, irei centrar-me no setor da saúde.

A realidade portuguesa

Os primórdios da rede hospitalar portuguesa com recurso a PPPs remontam a 2001, quando, pela mão do Governo liderado por António Guterres, se iniciou a primeira vaga de PPPs, e em 2002, no Governo de Durão Barroso, uma segunda vaga. Apesar de inicialmente os programas preverem a construção e gestão de um total de onze hospitais em regime de PPP, a segunda vaga acabou por não se efetivar e apenas quatro foram concretizados entre 2008 e 2010, durante o Governo de José Sócrates: Hospital de Cascais, Hospital de Braga, Hospital de Vila Franca de Xira e Hospital de Loures / Beatriz Ângelo. Os três primeiros surgiram em substituição de estruturas hospitalares pré-existentes e o último foi construído de raiz. O modelo adotado em Portugal abrangeu não só a conceção, construção, financiamento e manutenção de infraestruturas por 30 anos, como também a aquisição e o financiamento do equipamento médico e a gestão da prestação dos serviços clínicos do hospital durante 10 anos (Fig1). Importa realçar que, apesar do investimento e exploração destas unidades ser privado, a implementação de uma PPP difere significativamente de uma privatização. Como hospitais integrados no Serviço Nacional de Saúde (SNS), o acesso aos serviços clínicos é o mesmo disponível nas restantes unidades hospitalares do setor público. No fundo, os utentes mantêm os direitos e deveres previstos no acesso ao SNS.

Fig1. Esquema representativo da distribuição de responsabilidades entre setor público e privado numa PPP.
Fig1. Esquema representativo da distribuição de responsabilidades entre setor público e privado numa PPP.

A criação de uma PPP implica em primeiro lugar uma definição clara e correta por parte do Estado dos termos contratuais, cujas especificidades são depois negociadas com os potenciais parceiros privados, sendo a seleção da melhor proposta económica realizada através de concurso público. Embora o financiamento da construção e manutenção dos edifícios seja definido em contrato de forma fixa, o financiamento da gestão clínica varia mediante os resultados atingidos, medidos através de indicadores de produtividade clínica, havendo penalizações em caso de incumprimento.

Em abril de 2021, o Tribunal de Contas publicou um relatório (n.º5/2021) onde se propôs a sintetizar as conclusões dos relatórios de auditoria da prestação das quatro PPPs. Os resultados são sucintamente os seguintes:

  • As PPPs geraram poupanças para o Estado. Estima-se que tenha havido uma poupança para o Estado com todas as PPPs de cerca de 203 milhões de euros entre 2014 e 2019 (para termo de comparação, correspondente a cerca de 1.5% da despesa efetiva pública em saúde no ano de 2022). Visto que o relatório apenas analisou parte do período de execução dos vários contratos de gestão, a poupança total do Estado foi superior a este valor. Dentro dos anos analisados, é importante notar que a produção dos cuidados de saúde foi globalmente superior à contratada, o que significa que parte destes não foram remunerados ou foram remunerados a preços baixos pelo Estado às entidades privadas, o que implicou uma poupança adicional.
  • As PPPs foram na generalidade mais eficientes do que a média dos hospitais de gestão pública do seu grupo de referência. Em 2018, por exemplo, as PPP dos Hospitais de Braga, de Loures e de Vila Franca de Xira apresentaram os três mais baixos custos operacionais por doente padrão apurados.
  • As PPPs apresentaram na generalidade uma qualidade, eficácia e acesso sobreponíveis à média dos hospitais de gestão pública do seu grupo de referência, com exceção da PPP do Hospital de Cascais, que apresentou resultados significativamente superiores à média.
  • Três das quatro PPPs apresentaram rendibilidades para as entidades gestoras privadas inferiores às previstas. À exceção do Hospital de Vila Franca de Xira, os ganhos do setor privado foram inferiores ao esperado.
  • As PPPs possuíram padrões de qualidade mais exigentes que os hospitais públicos. Por haver penalizações financeiras para as entidades privadas em caso de incumprimento das matrizes contratuais de desempenho, existe, contrariamente aos hospitais de gestão pública que não possuem o mesmo mecanismo, um incentivo ao bom desempenho.

Contudo, o relatório aponta igualmente vários desafios que marcaram este instrumento de gestão, nomeadamente o facto de terem surgido várias diferenças de interpretação dos termos contratuais e consequentes litígios entre o Estado e as entidades privadas (num valor que totalizou 61 milhões de euros) e a incapacidade de avaliar determinados indicadores de desempenho por ausência de dados comparativos nos hospitais de gestão pública.

Outras entidades públicas também se pronunciaram sobre as PPPs na saúde. A Entidade Reguladora de Saúde (ERS), em 2016, não encontrou diferenças significativas na eficiência entre modelo PPP e gestão pública, assumindo uma postura neutral no que concerne a recomendações, apesar de ter concluído, de forma genérica, que o grupo de PPPs foi eficiente, eficaz e cumpriu padrões de qualidade. Já a Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos (UTAP) reconheceu VfM nas quatro PPPs nos domínios da economia, da eficiência e da eficácia e recomendou a continuação desse regime de gestão.

Findos os prazos de contrato, e apesar destas recomendações, o Hospital de Braga, de Vila Franca de Xira e de Loures passaram para a esfera pública em 2019, 2021 e 2022, respetivamente, tendo concorrido para esta decisão vários fatores, nomeadamente a indisponibilidade das entidades privadas em continuar nos mesmos termos contratuais ou noutros novos propostos pelo Estado aquando da renegociação e a falta de vontade política por parte do Governo liderado por António Costa de manter este regime de gestão. O Hospital de Cascais, por outro lado, passou para as mãos de outra entidade privada, sendo atualmente o único hospital gerido em PPP. Desde o término dos contratos das três PPPs referidas, têm-se multiplicado relatos de trabalhadores e utentes nos meios de comunicação social relativamente à degradação da capacidade assistencial dos hospitais.

Faz então sentido recuperar as PPPs na saúde?

Apesar dos bons resultados verificados em Portugal, não existe ainda consenso internacional de que as PPPs levem, em média, a custos mais baixos ou a melhores resultados de saúde. Relativamente à eficiência, apenas metade dos estudos de uma revisão narrativa revelou superioridade do modelo PPP em relação ao público, sendo que um estudo do Banco Mundial concluiu que não é claro que as PPPs sejam efetivamente mais eficientes que as empresas públicas. A heterogeneidade das condições subjacentes das PPPs analisadas é um dos critérios que dificulta esta análise. Outra crítica que é frequentemente apontada a muitos destes estudos consiste no facto de não compararem os hospitais PPP com um grupo homogéneo de hospitais públicos com características equiparáveis (em termos de dimensão, complexidade, organização e ensino), consistindo assim, em comparações indiscriminadas e que por vezes inviabilizam mesmo a retirada de conclusões representativas.

Devemos, enquanto sociais-democratas, prezar a melhor aplicação dos dinheiros públicos para a satisfação das necessidades coletivas, procurando sempre fundamentar as decisões políticas na melhor evidência disponível. Assim, e face aos resultados globalmente positivos dos contratos de PPPs na saúde celebrados, poderá ser útil continuar a explorar este instrumento de gestão. Portugal poderá representar um exemplo para outros países na medida em que foi pioneiro na implementação do modelo de PPP que combina gestão clínica e de infraestruturas, que pode ser útil numa perspetiva de minimização de eventuais deseconomias (por exemplo, a poupança para o Estado proporcionada pelas nossas PPPs deveu-se fundamentalmente à custa da gestão clínica, permitindo compensar as deseconomias significativas registadas na gestão das infraestruturas). Além disso, a existência de padrões de exigência mais elevados na avaliação do desempenho das PPPs em comparação com o setor público pode incentivar à recolha mais sistemática de dados sobre o desempenho da gestão pública e assim escrutiná-la melhor.

Contudo, é importante manter em mente o facto de que a evidência nacional sobre a gestão de PPPs na saúde é até ao momento diminuta. É possível que, aumentando o número de contratos e aumentando a dispersão geográfica, possamos obter resultados mistos e, portanto, mais coincidentes com a realidade internacional. Além disso, não é de desprezar que parte do sucesso das PPPs (e, paradoxalmente, parte do motivo para 3 dos 4 hospitais terem voltado para a gestão pública) deveu-se à definição de um quadro contratual que, na perceção das entidades privadas, tornou financeiramente insustentável a renovação do contrato (recorde-se os excessos de produção de cuidados de saúde não remunerados às entidades gestoras privadas, que também contribuiu para que estas últimas obtivessem rendibilidades inferiores ao estimado). É importante que eventuais futuros contratos de PPPs na saúde estabeleçam um equilíbrio entre os interesses públicos e privados e que procure evitar litígios, mas há o risco de tal só ser conseguido à custa da definição de condições para o Estado menos vantajosas do que as dos já concluídos.

A economista Mariana Mazzucato escreveu na sua obra Economia de Missão que "No governo, a assunção de riscos e a aprendizagem exigem trabalhar fora dos silos habituais (…) e que se encontrem sinergias que transformem os componentes da cooperação num todo maior do que a soma das partes". No fundo, as PPPs devem ser encaradas pelo Estado como uma fonte de aprendizagem para a sua própria gestão e uma forma de levar a resultados que nenhum dos elementos envolvidos isoladamente atingiria. Contudo, devemos sempre garantir que esta cooperação não se torna uma interdependência e que robustece o cumprimento das funções do Estado. Neste sentido, é essencial não descurar o financiamento e os meios necessários ao SNS para ele próprio desenvolver bons mecanismos de gestão.

Escrito por Vasco Martins Lobo.

Referências

Entidade Reguladora de Saúde, Estudo de Avaliação das Parcerias Público-Privadas na Saúde (2016). Porto.

Rebelo, C. (2014). As Parcerias Público-Privadas na Saúde em Portugal: Análise crítica (dissertação).

Silva, D. M. S. G. N. D. (2019). A Eficiência das PPP no Sector Hospitalar em Portugal (dissertação).

Tribunal de Contas, Relatório Síntese — Parcerias Público-Privadas hospitalares no SNS (2021). Lisboa.

Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos, Hospital de Cascais — Relatório Intercalar (2016). Lisboa.

Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos, Hospital de Braga — Relatório Intercalar (2017). Lisboa.

Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos, Hospital de Loures — Relatório Intercalar (2019). Lisboa.

Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos, Hospital de Vila Franca de Xira — Relatório Intercalar (2019). Lisboa.

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