Guerra na Ucrânia — 1 ano de conflito armado

A 24 de Fevereiro de 2022, o presidente autocrata russo Vladimir Putin ordenou o avanço das suas tropas sobre o território ucraniano, três dias depois de ter reconhecido como independentes as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, lideradas por separatistas pró-russos. Usando como pretexto a repressão e o sofrimento que os habitantes destes autoproclamados estados independentes sofriam, Putin ordenou uma "intervenção militar especial", com o objetivo de "desnazificar" e "desmilitarizar" a Ucrânia, alegando que o avanço da NATO apresenta uma "constante ameaça ao território russo".
Entretanto, passado já um ano desde a invasão russa, que conclusões se podem tomar deste conflito? De que forma o conflito russo-ucraniano alterou as dinâmicas europeias e mundiais? É isso que se pretende abordar neste artigo.
Primeiramente, há que analisar o impacto mais imediato e direto deste conflito. Desde que começou, a guerra já deslocou cerca de 8 milhões de ucranianos, provocando uma enorme pressão à União Europeia, que já lidava com uma crise migratória sem precedentes. Grande parte destes refugiados acabou por encontrar refúgio nos países vizinhos, nomeadamente a Polónia, que nos primeiros quatro dias após a invasão, recebeu cerca de 281 mil pessoas. Dados do SEF dão-nos conta de que, em 2022, chegaram a Portugal cerca de 55 mil refugiados ucranianos, sendo que 25% eram menores de idade.
No que diz respeito ao número de mortos, os dados não são claros. A propaganda de ambos os lados torna difícil chegar a uma conclusão concreta, mas de acordo com os dados da ONU, cerca de 6.900 civis foram vitimados no decorrer do conflito durante o ano de 2022. As baixas militares chegam, com certeza, às dezenas de milhares, numa guerra que não deixa ninguém indiferente ao sofrimento do povo ucraniano.
Várias ONGs internacionais alertaram também para a prática de crimes de guerra e a violação dos direitos humanitários internacionais por parte das forças russas, que continuam a bombardear infraestruturas civis, como habitações, escolas e hospitais. Também a Ucrânia é alvo de acusações de crimes de guerra, particularmente contra os separatistas pró-russos e os prisioneiros de guerra.
Compreende-se então a magnitude do confronto, em termos de números, com a desgraça e a miséria a pairar constantemente sobre o território ucraniano e a sua população. Mas a invasão russa levada a cabo no dia 24 de Fevereiro de 2023 teve impactos fora do ramo social. Tanto a União Europeia, como a NATO, tiveram que se reconfigurar, de modo a lidar com a nova crise emergente.
Afetado ainda pela crise económica provocada pela pandemia da COVID-19, o mundo e a Europa não necessitavam de outro contratempo, que agravasse ainda mais o contexto económico e financeiro internacional. A Ucrânia apresentava-se como uma das maiores produtoras mundiais de cereais, contabilizando cerca de 9% do mercado global de exportação de trigo. Por outro lado, a Rússia exportava gás natural para a Europa Central e Oriental, servindo como uma das principais fontes de abastecimento energético de países como a Alemanha.
Estas disrupções nos mercados tiveram impactos profundos na economia e na sociedade europeia. A inflação praticamente quadruplicou, de julho de 2021 para julho de 2022, atingindo um máximo histórico de 8,9%, enquanto em Portugal atingiu um máximo de 8,1%. O aumento generalizado do preço dos bens de consumo agravou uma crise sócio-económica que começou com a pandemia COVID-19 e levou milhões de pessoas às ruas por toda a União Europeia, exigindo melhores condições salariais e de trabalho para colmatar com a inflação.
A nível ambiental, também existiram mudanças significativas. Após ter aprovado vários pacotes de sanções económicas à Rússia, a União Europeia sentiu a necessidade de reconfigurar o seu mercado energético, de modo a remover qualquer dependência do gás russo. Portugal, devido à sua posição geográfica e política energética sustentada nas energias renováveis, não sofreu os impactos do aumento generalizado do preço do gás e eletricidade sentidos pela Europa.
A Alemanha, por outro lado, foi um dos países que mais sofreu. Em 2022, os preços da eletricidade chegaram a níveis recorde, obrigando o governo social-democrata a tomar medidas controversas do ponto de vista ambiental, como foi o caso da reabertura de centrais de carvão, que culminou em protestos contra a destruição do património nacional para a abertura de novas minas.
A unidade do espaço europeu foi também testada pelo presidente russo, mas a União Europeia acabou por responder em uníssono. À exceção da Hungria, cujo regime se mostrou favorável à influência russa, a União Europeia uniu-se, enviando para a Ucrânia apoio financeiro e militar. E chegando a este ponto, falta responder à derradeira pergunta: Quando termina este conflito?
A resposta não é clara. O conflito russo-ucraniano não começou em 2022 e é mais complexo do que uma simples invasão militar. Que fique aqui claro, para não deixar dúvidas: A Aliança Social Democrata condena veementemente a invasão russa da Ucrânia. A sede de poder e os desejos pessoais do governo russo em recriar o grande Império Russo não são compatíveis com a noção de um mundo livre e próspero, que respeita à autodeterminação e independência dos povos. Não existem "imperialismos do bem" e, se as críticas (válidas e corretas) ao imperialismo americano são amplamente aceites na esquerda, também a crítica ao imperialismo russo tem de o ser. Nada desta Rússia se assemelha à União Soviética, nem ao socialismo internacionalista e progressista.
A principal luta da esquerda tem de ser pela paz, contra a escalada do conflito, pela libertação dos povos do jugo da guerra, que só beneficia os estados e as grandes corporações que lucram ativamente com a miséria dos povos. A solidariedade com o povo ucraniano demonstra-se, manifestando-se pela paz. O regime russo continua neste momento, com os seus esforços bélicos, sem qualquer previsão de paragem. Os Estados Unidos, a NATO e a União Europeia continuam a apoiar a Ucrânia através do armamento e financiamento da mesma. Pelo meio, esquecem-se as ligações duvidosas dos exércitos ucraniano e russo com milícias paramilitares fascistas e neonazis. Pelo meio, reescreve-se a história e dá-se palco a colaboradores nazis, enquanto se esquecem os milhões de ucranianos que morreram durante a 2ª Guerra Mundial, a combater contra esses mesmos nazi-fascistas. Pelo meio, quem sofre é o povo ucraniano.
A guerra é complexa, sempre foi. A apropriação do conflito serve para nos lembrar que a Guerra Fria nunca acabou, apenas mudou de forma. O imperialismo continua a ser o mal deste mundo, causando destruição e miséria por onde passa. Um ano após a data que marca a invasão russa da Ucrânia, permanecem mais dúvidas do que certezas, mas nós temos uma: A paz é o caminho, a guerra não é solução.

Escrito por Rodrigo Saraiva Dias.