Anti-Palme: Meio Século de Derrotas Reformistas

24-05-2022

https://asdnaprojeto.medium.com/o-estado-da-social-democracia-578ee297e09a

O que é ser um social-democrata hoje? O termo é utilizado para definir um conjunto de posições, desde o centro-direita até à esquerda, mas a realidade é apenas uma: Atualmente, os "sociais-democratas" nada mais são do que meros perpetuadores do status quo, com uma dose de estado social.

A social-democracia nasceu da crítica ao socialismo marxista e teve um papel crucial no que diz respeito a progressos no campo social e económico. A social-democracia surge dos movimentos operários do século XIX, nasce e desenvolve-se no sindicalismo, é perseguida, proibida (relembrar as Leis Antissocialistas impostas por Bismarck no final do século XIX). A social-democracia significou progresso: Em 1910, o Partido Trabalhista Australiano venceu as eleições, formando assim o primeiro governo social-democrata do mundo. Os resultados foram imediatos: o governo implementou uma moeda nacional, criou subsídios de maternidade e de compensação em caso de baixa por doença, estabeleceu oficialmente a capital em Camberra, inaugurou a linha ferroviária Transaustraliana, estabeleceu o Commonwealth Bank of Australia, um banco nacional publico, introduziu um imposto sobre a terra, com o objetivo de desmantelar as grandes propriedades, entre muitas outras coisas. Foi um governo inovador, progressista, com um projeto ambicioso, mas não foi o único. Na Europa do pós-guerra, à qual se juntou a agravante da crise na década de 1930, os sociais-democratas procuraram, mais uma vez, inovar. Quando Ernst Wigforss sugeriu em 1932, investir em grandes projetos de obras públicas como forma de combater a crise económica, quando a prática mais comum até então eram as políticas de austeridade, a população sueca respondeu em massa, dando a maior percentagem de voto aos sociais-democratas até então, permitindo que formassem governo e começassem um período de hegemonia que duraria até 1976.

Os sociais-democratas foram também eles vitimas de perseguição. Homens como Willy Brandt, Thomas Korner, Giacomo Matteotti, resistiram e lutaram contra os movimentos fascistas e nazis dos seus respetivos países, tendo como bandeiras a liberdade, a justiça e cooperação. Outros tantos mais como Bernstein, Palme, Jaurès defenderam as conquistas pacíficas, opondo-se à guerra, mesmo que isso lhes custasse a vida. Então, o que aconteceu a esta social-democracia?

No pós-2ª Guerra Mundial, os sociais-democratas voltaram a mostrar a sua dedicação, na reconstrução dos países devastados pelo conflito, a libertação de nações que viveram décadas oprimidas por regimes autoritários. Nos anos 50, 60, 70 do século passado, os sociais-democratas ajudaram a construir uma Europa mais coesa, mais forte, mais unida. Na sequência da invasão soviética da Checoslováquia, muitos partidos comunistas adotaram o designado "eurocomunismo". Berlinguer aproximou-se notoriamente de líderes sociais-democratas como Olof Palme e Willy Brandt.

Willy Brandt (esquerda) e Olof Palme (direita)
Willy Brandt (esquerda) e Olof Palme (direita)

No entanto, é a partir dos anos 80 e 90 que se começa a ver uma mudança no paradigma. Os sociais-democratas, talvez por medo de serem categorizados na mesma linha que os socialistas soviéticos, desassociaram-se dos ideais socialistas que caracterizavam a social-democracia. A inovação e o progresso esbateram-se para dar lugar à estagnação e ao conformismo. As grandes reformas económicas e sociais, o cooperativismo, o sindicalismo, foram-se perdendo para dar espaço ao neoliberalismo e a infame Terceira Via. Na Suécia, por exemplo, após décadas de hegemonia política e reformas cruciais para a vida dos cidadãos suecos, os sociais-democratas, confrontados por uma crise económica nos anos 80, decidem abandonar o plano Rehn-Meidner. Quando regressaram ao poder em 1994, responderam à crise económica, cortando no mesmo estado-social que haviam outrora construído. Os resultados foram estes: em 2006, os sociais-democratas suecos receberam 34,9% dos votos, a percentagem mais baixa desde a implementação do sufrágio universal na Suécia. Em 2018, esse número caiu para 28.3%, o mais baixo desde 1908. No mundo sindical, onde fizeram o seu nome, os sociais-democratas perderam intenções de voto para a direita populista dos Democratas Suecos. Mas este exemplo não é o único.

Na década de 1990, o Partido Socialista francês decidiu também ele se desvirtuar do ideário socialista que o caracterizava, em favor de uma liberalização da economia francesa. O resultado? Em 1988, através de François Mitterrand, o PS conseguiu 34,1% dos votos. Em 2002, após o abandono dos seus valores, esse número caiu para os 16,2%. E se, com François Hollande, o partido obteve 28,6% em 2012, a realidade é que hoje, em 2022, perdeu toda a sua relevância. Nas últimas 2 eleições presidenciais francesas, o PS não passou dos 6,5%, obtendo 6,4% em 2017 e apenas 1,8% em 2022. Já na Alemanha, o SPD através de Schroeder, passou por um processo semelhante. Enquanto em 1998, obteve 43,8% de votos, esse número foi progressivamente diminuindo até que em 2017 chegou aos 24,6%, a percentagem mais baixa da história do partido no período democrático pós-guerra e a mais baixa desde 1924.

Os sociais-democratas deturparam a ideia base de Bernstein, onde o poder político vinha com a responsabilidade de mudar para melhor a vida dos trabalhadores e dos cidadãos e passaram a usar pequenas mudanças no estado social, como forma de se perpetuarem no poder. À medida que os partidos sociais-democratas se foram mantendo no poder, perderam a sua base ideológica, perderam os seus valores socialistas, para dar lugar a um pragmatismo vazio que dava vitórias ocas nas urnas. No fim, apenas se mantinha as medidas, com um pouco mais de austeridade, um pouco mais de neoliberalismo e cada vez menos social-democracia.

A 1ª e a 2ª Internacional, que albergaram todos os socialistas, entre eles os sociais-democratas, foram em tempos espaços de debates revolucionários, de preocupação pelas condições de vida dos trabalhadores e de luta pela reivindicação dos direitos sociais e laborais. Foram nas Internacionais, que se lutou pelo 1º de Maio, pelas oito horas de trabalho, pelo direito à greve, pela abolição do trabalho infantil. Atualmente temos uma Internacional que de socialista pouco tem. Um mero espaço de associação de diversos partidos sociais-democratas, sem o sentido de cooperação, amizade, luta, que caracterizaram as grandes lutas passadas.

Delegados da Internacional no Congresso de Stuttgart em 1907.
Delegados da Internacional no Congresso de Stuttgart em 1907.

Numa época de grande progresso, de grandes problemas, na era da digitalização e das alterações climáticas, onde os trabalhadores e cidadãos enfrentam novos desafios que ameaçam o seu futuro, num período onde o populismo, a intolerância, a xenofobia, o racismo, a homofobia procuram prevalecer, os sociais-democratas mostram-se mais uma vez apáticos, com medo de liderar a mudança, de se apresentarem na vanguarda do progresso, tal como aconteceu na segunda metade do século XX. Decidiram-se acomodar à situação, mudando apenas alguns aspetos para que, ao fim de 4 anos, possam ter a sua vitória nas urnas. Mas, sem as mudanças positivas na vida da população que Bernstein advogava, que sentido têm essas vitórias? 

A social-democracia não pode repetir os erros do passado, não pode ter medo de ser identificar como socialista, como uma opção viável à esquerda, que se afaste das tendências revolucionárias e mais radicais, mas que ao mesmo tempo, proteja a mudança, o progresso, as reformas necessárias para atingir a verdadeira democracia, onde todos têm acesso às mesmas ferramentas para suceder, aos mesmos serviços de qualidade, independentemente da sua capacidade económica ou origem social. Os sociais-democratas têm de voltar a reposicionar-se como os representantes dos trabalhadores, lutando pela melhoria das suas condições de trabalho, pela sua autodeterminação, pelo seu poder negociar diante do patronato. A social-democracia fomentou-se nos sindicatos, no operariado, esteve do seu lado nas suas maiores vitórias e não pode voltar-lhe as costas. A social-democracia, perante a intolerância que se gera com a emigração, com a discriminação, tem de recuperar os seus valores de justiça social, igualdade, liberdade, tem de garantir a todos, independentemente da cor, género, orientação sexual ou religião, os seus direitos que são os direitos humanos. A social-democracia não deve adotar uma posição antagónica aos seus valores-base, como acontece na Dinamarca.

Os sociais-democratas de hoje em dia são portanto confrontados com duas escolhas: Querem manter a "social-democracia" atual, com o seu pragmatismo vazio, a sua falta de compromisso para com os desafios e para com aqueles que, nas urnas, depositaram a sua confiança em si? A "social-democracia" que tem medo de se posicionar à esquerda no espectro, pois essa é a sua origem, é o caminho que deve seguir? Ou preferem lutar pela social-democracia pelo qual nos apaixonamos em primeiro lugar? A social-democracia que nos deu figuras icónicas como François Mitterrand, José Mujica, ou honráveis como Jorge Sampaio em Portugal. A social-democracia que, perante a opressão das forças reacionárias, persistiu, lutou e alcançou vitórias para a classe operária. A social-democracia que se impõe como anti-imperialista, que prioriza a cooperação internacional para o benefício de todos e para o melhoramento geral. A social-democracia que se rege por valores e não por percentagens nas urnas. É esta a social-democracia pela qual temos que lutar com todas as nossas forças, por um mundo mais justo, por um mundo mais igualitário, por um mundo mais próspero. Pela social-democracia.

Jean Jaurès, a dar um discurso em 1913 em Paris contra uma nova proposta de período de recrutamento militar de três anos.
Jean Jaurès, a dar um discurso em 1913 em Paris contra uma nova proposta de período de recrutamento militar de três anos.

-Por Rodrigo Dias.

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