Anti-Palme: Meio Século de Derrotas Reformistas
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O que é ser um social-democrata hoje? O termo é utilizado para definir um conjunto de posições, desde o centro-direita até à esquerda, mas a realidade é apenas uma: Atualmente, os "sociais-democratas" nada mais são do que meros perpetuadores do status quo, com uma dose de estado social.
A social-democracia nasceu da crítica ao socialismo marxista e teve um papel crucial no que diz respeito a progressos no campo social e económico. A social-democracia surge dos movimentos operários do século XIX, nasce e desenvolve-se no sindicalismo, é perseguida, proibida (relembrar as Leis Antissocialistas impostas por Bismarck no final do século XIX). A social-democracia significou progresso: Em 1910, o Partido Trabalhista Australiano venceu as eleições, formando assim o primeiro governo social-democrata do mundo. Os resultados foram imediatos: o governo implementou uma moeda nacional, criou subsídios de maternidade e de compensação em caso de baixa por doença, estabeleceu oficialmente a capital em Camberra, inaugurou a linha ferroviária Transaustraliana, estabeleceu o Commonwealth Bank of Australia, um banco nacional publico, introduziu um imposto sobre a terra, com o objetivo de desmantelar as grandes propriedades, entre muitas outras coisas. Foi um governo inovador, progressista, com um projeto ambicioso, mas não foi o único. Na Europa do pós-guerra, à qual se juntou a agravante da crise na década de 1930, os sociais-democratas procuraram, mais uma vez, inovar. Quando Ernst Wigforss sugeriu em 1932, investir em grandes projetos de obras públicas como forma de combater a crise económica, quando a prática mais comum até então eram as políticas de austeridade, a população sueca respondeu em massa, dando a maior percentagem de voto aos sociais-democratas até então, permitindo que formassem governo e começassem um período de hegemonia que duraria até 1976.
Os sociais-democratas foram também eles vitimas de perseguição. Homens como Willy Brandt, Thomas Korner, Giacomo Matteotti, resistiram e lutaram contra os movimentos fascistas e nazis dos seus respetivos países, tendo como bandeiras a liberdade, a justiça e cooperação. Outros tantos mais como Bernstein, Palme, Jaurès defenderam as conquistas pacíficas, opondo-se à guerra, mesmo que isso lhes custasse a vida. Então, o que aconteceu a esta social-democracia?
No pós-2ª Guerra Mundial, os sociais-democratas voltaram a mostrar a sua dedicação, na reconstrução dos países devastados pelo conflito, a libertação de nações que viveram décadas oprimidas por regimes autoritários. Nos anos 50, 60, 70 do século passado, os sociais-democratas ajudaram a construir uma Europa mais coesa, mais forte, mais unida. Na sequência da invasão soviética da Checoslováquia, muitos partidos comunistas adotaram o designado "eurocomunismo". Berlinguer aproximou-se notoriamente de líderes sociais-democratas como Olof Palme e Willy Brandt.

No entanto, é a partir dos anos 80 e 90 que se começa a ver uma mudança no paradigma. Os sociais-democratas, talvez por medo de serem categorizados na mesma linha que os socialistas soviéticos, desassociaram-se dos ideais socialistas que caracterizavam a social-democracia. A inovação e o progresso esbateram-se para dar lugar à estagnação e ao conformismo. As grandes reformas económicas e sociais, o cooperativismo, o sindicalismo, foram-se perdendo para dar espaço ao neoliberalismo e a infame Terceira Via. Na Suécia, por exemplo, após décadas de hegemonia política e reformas cruciais para a vida dos cidadãos suecos, os sociais-democratas, confrontados por uma crise económica nos anos 80, decidem abandonar o plano Rehn-Meidner. Quando regressaram ao poder em 1994, responderam à crise económica, cortando no mesmo estado-social que haviam outrora construído. Os resultados foram estes: em 2006, os sociais-democratas suecos receberam 34,9% dos votos, a percentagem mais baixa desde a implementação do sufrágio universal na Suécia. Em 2018, esse número caiu para 28.3%, o mais baixo desde 1908. No mundo sindical, onde fizeram o seu nome, os sociais-democratas perderam intenções de voto para a direita populista dos Democratas Suecos. Mas este exemplo não é o único.
Na década de 1990, o Partido Socialista francês decidiu também ele se desvirtuar do ideário socialista que o caracterizava, em favor de uma liberalização da economia francesa. O resultado? Em 1988, através de François Mitterrand, o PS conseguiu 34,1% dos votos. Em 2002, após o abandono dos seus valores, esse número caiu para os 16,2%. E se, com François Hollande, o partido obteve 28,6% em 2012, a realidade é que hoje, em 2022, perdeu toda a sua relevância. Nas últimas 2 eleições presidenciais francesas, o PS não passou dos 6,5%, obtendo 6,4% em 2017 e apenas 1,8% em 2022. Já na Alemanha, o SPD através de Schroeder, passou por um processo semelhante. Enquanto em 1998, obteve 43,8% de votos, esse número foi progressivamente diminuindo até que em 2017 chegou aos 24,6%, a percentagem mais baixa da história do partido no período democrático pós-guerra e a mais baixa desde 1924.
Os sociais-democratas deturparam a ideia base de Bernstein, onde o poder político vinha com a responsabilidade de mudar para melhor a vida dos trabalhadores e dos cidadãos e passaram a usar pequenas mudanças no estado social, como forma de se perpetuarem no poder. À medida que os partidos sociais-democratas se foram mantendo no poder, perderam a sua base ideológica, perderam os seus valores socialistas, para dar lugar a um pragmatismo vazio que dava vitórias ocas nas urnas. No fim, apenas se mantinha as medidas, com um pouco mais de austeridade, um pouco mais de neoliberalismo e cada vez menos social-democracia.
A 1ª e a 2ª Internacional, que albergaram todos os socialistas, entre eles os sociais-democratas, foram em tempos espaços de debates revolucionários, de preocupação pelas condições de vida dos trabalhadores e de luta pela reivindicação dos direitos sociais e laborais. Foram nas Internacionais, que se lutou pelo 1º de Maio, pelas oito horas de trabalho, pelo direito à greve, pela abolição do trabalho infantil. Atualmente temos uma Internacional que de socialista pouco tem. Um mero espaço de associação de diversos partidos sociais-democratas, sem o sentido de cooperação, amizade, luta, que caracterizaram as grandes lutas passadas.

Numa época de grande progresso, de grandes problemas, na era da digitalização e das alterações climáticas, onde os trabalhadores e cidadãos enfrentam novos desafios que ameaçam o seu futuro, num período onde o populismo, a intolerância, a xenofobia, o racismo, a homofobia procuram prevalecer, os sociais-democratas mostram-se mais uma vez apáticos, com medo de liderar a mudança, de se apresentarem na vanguarda do progresso, tal como aconteceu na segunda metade do século XX. Decidiram-se acomodar à situação, mudando apenas alguns aspetos para que, ao fim de 4 anos, possam ter a sua vitória nas urnas. Mas, sem as mudanças positivas na vida da população que Bernstein advogava, que sentido têm essas vitórias?
A social-democracia não pode repetir os erros do passado, não pode ter medo de ser identificar como socialista, como uma opção viável à esquerda, que se afaste das tendências revolucionárias e mais radicais, mas que ao mesmo tempo, proteja a mudança, o progresso, as reformas necessárias para atingir a verdadeira democracia, onde todos têm acesso às mesmas ferramentas para suceder, aos mesmos serviços de qualidade, independentemente da sua capacidade económica ou origem social. Os sociais-democratas têm de voltar a reposicionar-se como os representantes dos trabalhadores, lutando pela melhoria das suas condições de trabalho, pela sua autodeterminação, pelo seu poder negociar diante do patronato. A social-democracia fomentou-se nos sindicatos, no operariado, esteve do seu lado nas suas maiores vitórias e não pode voltar-lhe as costas. A social-democracia, perante a intolerância que se gera com a emigração, com a discriminação, tem de recuperar os seus valores de justiça social, igualdade, liberdade, tem de garantir a todos, independentemente da cor, género, orientação sexual ou religião, os seus direitos que são os direitos humanos. A social-democracia não deve adotar uma posição antagónica aos seus valores-base, como acontece na Dinamarca.

Os sociais-democratas de hoje em dia são portanto confrontados com duas escolhas: Querem manter a "social-democracia" atual, com o seu pragmatismo vazio, a sua falta de compromisso para com os desafios e para com aqueles que, nas urnas, depositaram a sua confiança em si? A "social-democracia" que tem medo de se posicionar à esquerda no espectro, pois essa é a sua origem, é o caminho que deve seguir? Ou preferem lutar pela social-democracia pelo qual nos apaixonamos em primeiro lugar? A social-democracia que nos deu figuras icónicas como François Mitterrand, José Mujica, ou honráveis como Jorge Sampaio em Portugal. A social-democracia que, perante a opressão das forças reacionárias, persistiu, lutou e alcançou vitórias para a classe operária. A social-democracia que se impõe como anti-imperialista, que prioriza a cooperação internacional para o benefício de todos e para o melhoramento geral. A social-democracia que se rege por valores e não por percentagens nas urnas. É esta a social-democracia pela qual temos que lutar com todas as nossas forças, por um mundo mais justo, por um mundo mais igualitário, por um mundo mais próspero. Pela social-democracia.

-Por Rodrigo Dias.