A social-democracia e o socialismo democrático

26-11-2022

O debate sobre a distinção entre social-democracia e socialismo democrático não é recente. Cá em Portugal, esta distinção foi forçada pela criação do PS, que se afirmou socialista democrático, ao invés do PSD, que se denominou de social-democrata.

Existe, efetivamente, alguma diferença entre estas duas ideologias? Infelizmente, esta discussão dá-se normalmente num contexto no qual quem participa na discussão não conhece a origem ou definição de nenhum destes conceitos. Neste artigo, tentarei demonstrar que são ambos a mesma coisa, mas devido a determinados acontecimentos os dois são percepcionados como diferentes.

De onde surge o termo de "social-democrata" e a que foi associado ao longo do tempo

Mesmo antes de Bernstein e pouco tempo antes de Lassalle, existiu um partido francês chamado "Os Socialistas Democráticos", que Marx traduziu para "Os Sociais-Democratas". Ou seja, este artigo (e toda esta discussão) gira à volta de uma tradução "errada" feita por Marx em 1848. Vinte anos depois, Lassalle e a ADAV (Associação Geral dos Trabalhadores Alemães) usariam o nome Der Social-Demokrat para o seu jornal partidário, socorrendo-se da tradução que Karl Marx teria feito. E, assim, o termo foi-se propagando pela Alemanha e depois pela Europa.

A história da fundação do SPD, ou pelo menos o seu nome, mostra como na altura "social-democracia" e socialismo democrático, significavam a mesma coisa. Com a fundação da ADAV por Lassalle em 1863 passado algum tempo, mais exatamente em 1869, August Bebel e Wilhelm Liebknecht fundaram o SDAP, Partido Social Democrata dos Trabalhadores da Alemanha, que se fundiu com o ADAV na famosa conferência realizada em Gotha em 1875, tomando o nome de Partido Socialista dos Trabalhadores da Alemanha (SAPD). Posteriormente, em 1890, na Convenção de Halle, o nome tornou a mudar para Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), como é conhecido até hoje. Este SPD albergava desde marxistas ortodoxos, até os ditos sociais-democratas ou socialistas reformistas, pelo menos até às rupturas que formariam o KPD e o USPD.

Mesmo Lenine esteve num partido denominado de "social-democrata", embora de todo queira dizer que ele o era. Tal como o SPD o RSDLP era um partido abrangente.

Observa-se pela Europa toda um partido chamado de "Social-Democrata", um "Trabalhista" e um "Socialista". Estes partidos acabam todos por ser "gémeos" ideológicos. Por exemplo, na Internacional Operária e Socialista, estava o "Partido Socialista Português", tal como o SPD. O termo "socialista democrático" pode-se classificar como o pai destes todos, visto que englobava as ideias presentes em todos e se fosse um socialista, trabalhista ou social-democrata, também se poderia chamar de socialista democrático. Esta diferença de nomenclatura até sofre uma diferença mais geográfica que ideológica, sendo que na Europa de Sul encontramos maioritariamente partidos "Socialistas" e no Norte "Sociais-Democratas" ou "Trabalhistas".

A questão é que estes termos continuam iguais durante um século, ou mais para outras pessoas como eu. Para além da perpetuidade da sinonímia nas designações partidárias que falei anteriormente, pessoas como Olof Palme, que para mim é uma das maiores personalidades desta área política, usam os termos intercambiavelmente num debate onde explica porque é um socialista democrático. E efetivamente tivemos variações deste socialismo reformista, que vai desde o "utópico", ao libertário.

O que é então a social-democracia?

Depois deste pequeno contexto, espero então responder a esta pergunta muito importante de uma forma simplista.

  • É a construção de uma sociedade pós-capitalista onde se encontram os valores da liberdade, igualdade, fraternidade, justiça social e solidariedade.
  • É a construção de um Estado Social que pretende a completa desmercantilização tanto das pessoas como do trabalho, oferecendo serviços universais e gratuitos a todos os cidadãos.
  • É a defesa do cooperativismo e autogestão, para que os trabalhadores cooperem entre si e não sejam explorados pelo seu trabalho e mão-de-obra.
  • É também a defesa da luta sindical e dos direitos laborais.
  • É a defesa de uma cooperação internacional entre os povos de todos os continentes para a verdadeira internacionalização, tanto do movimento, como dos ideais sociais democratas e do progresso humano na sua plenitude.
  • É a luta constante contra o imperialismo e o colonialismo, pelo direito à autodeterminação e à prosperidade dos povos.
  • É a luta pelos direitos sociais de todos aqueles que sofrem com opressão sistémica e endémica.

São estes os pontos que acho cruciais na definição da social-democracia. A sociedade que falo anteriormente como pós-capitalista assume diferentes nomes, sendo o mais conhecido o de socialista. Honestamente, o nome que lhe dão acaba por me ser indiferente desde que estes valores estejam presentes, mas, pela simplicidade, vou lhe dar essa designação. No fundo, o socialismo não passa de uma evolução lógica do princípio da liberdade, este, quando compreendido no seu sentido fundamental e julgado pelos seus resultados, como o movimento concreto para a emancipação do proletariado, é o liberalismo em ação. A simples liberdade política não traz a verdadeira liberdade à pessoa, visto que mesmo tendo o seu direito de voto e de participação política isso não lhe põe pão na boca, importa também lutar pela liberdade para viver. O simples reconhecimento abstrato da liberdade de consciência e das liberdades políticas para todos, embora possa representar um momento essencial no desenvolvimento da teoria política, é algo de muito limitado quando a maioria das pessoas, forçados a viver nas circunstâncias do seu nascimento e na pobreza moral e material, são deixados sem a possibilidade de apreciar o seu significado e tirar qualquer proveito real dela. A liberdade sem acompanhamento e apoio de um mínimo de autonomia económica, sem emancipação da aderência da necessidade material premente, não existe para o indivíduo, é um mero fantasma.

Cartaz da LO (confederação sindical sueca) que representa as três democracias, a “democracia económica, a democracia política e a democracia social”.
Cartaz da LO (confederação sindical sueca) que representa as três democracias, a “democracia económica, a democracia política e a democracia social”.

O argumento "evolucionista"

O grande argumento que costumo ouvir é o de uma evolução. Não rejeito totalmente este argumento, mas não é como essa suposta evolução não passe de uma adaptação que os próprios primeiros sociais-democratas achavam necessário e é uma das suas principais críticas aos marxistas ortodoxos, que se mantinham constantes, mesmo quando seria mais benéfico ajudar os trabalhadores através da participação parlamentar. Se esta adaptação viola os valores bases do socialismo democrático, é outra história. Se há sociais-democratas que defendem o mercado livre e um estado mínimo, então desculpem mas a sua categoria ideológica está mal catalogada. E isto só é a ponta no icebergue do quão sequestrado o termo realmente é, principalmente em Portugal, onde os "sociais-democratas" têm uma agenda tendencialmente conservadora e pró-mercado. Mas é normal que as pessoas no século XXI acabem por associar a social-democracia à direita, quando devido a movimentações para a direita, pelos partidos de esquerda, e a influência de valores neoliberais nesses mesmos partidos fizeram-nos abandonar as suas antigas bandeiras, às vezes defendendo mais o mercado que os partidos de direita.

Em conclusão, como social-democrata e pertencendo a este projeto com cada artigo que escrevo este é o mito que mais tento desmistificar. Certos valores perderam-se em várias associações e partidos sociais-democratas, por isso considero minha função e de todos os meus camaradas para que lutem na revitalização deles.

Escrito por António Figueiredo.

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