A social democracia — a sua génese, evolução e os seus desafios para o futuro

16-08-2021

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Neste artigo iremos falar da história desta ideologia, de como surgiu, os seus feitos, de como mudou e qual poderá ser o seu futuro. Entretanto, também esperamos conseguir esclarecer algumas dúvidas e mitos em relação à social democracia.

Achamos relevante contextualizar historicamente a social democracia e o revisionismo democrático, de forma a melhor compreender a evolução da ideologia e perceber os seus antecedentes e objetivos.

O surgimento da social democracia

O pensamento social democrata aparece no final do século XIX, anos após o início da revolução industrial, mas também com o esgotamento das ideias liberais que com ela vieram. A social democracia surge então com o pensamento de Eduard Bernstein, Jean Jaurès e outros pensadores de que o caminho para o socialismo deveria de ser feito de forma gradual, reformista e evolutiva, não concordando absolutamente com a ideia do materialismo histórico e luta de classes que Marx e Engels defendiam, mas numa cooperação entre classes e na primazia da política. Deste modo, diverge assim do consenso marxista e de grande parte dos partidos socialistas da altura.

Estas personagens políticas, que mais tarde seriam chamadas de revisionistas, não concordavam com a perspetiva marxista de que a história é ciência. Discordavam da certeza que o capitalismo se iria autodestruir e abriria portas ao socialismo, começaram assim a argumentar que era necessário ação a nível político e estrutural, pois, para eles, acreditar somente na "certeza" do fim do capitalismo não melhoraria a qualidade de vida do cidadão comum e dos trabalhadores, mas sim reformas.  

Um confronto constante entre revisionistas e os marxistas ortodoxos é constante em grande parte dos anos 90 do século XIX e das primeiras décadas do século XX. Uma das iniciais e principais divisões foi quando a ala social democrata começou a defender o ministerialismo e a participação em governos em conjunto com outros partidos para se começar a efetivamente democratizar a sociedade, para que o trabalhador, quer seja fabril como agricultor, pudesse ter opinião política e assim participar politicamente no movimento trabalhador. Infelizmente, estas ideias não tiveram o apoio dos marxistas por considerarem que o sufrágio universal seria meramente performativo quando se participa numa democracia dita burguesa. As suas críticas não eram sem sentido. Uma democracia em que meramente há eleições de 4 em 4 anos, em efeitos práticos, é uma democracia fraca. O que não entenderam é que os sociais democratas queriam difundir a democracia tanto no ato eleitoral como também para o local de trabalho através de ação parlamentar e dos órgãos sindicais.

Partidos socialistas de muitos países tiveram estes conflitos. Um bom exemplo seria o Partido Socialista Italiano (PSI). No final da década de 1890 o PSI passou por uma destas situações, onde se viu num cenário em que podia dar apoio parlamentar, na altura mais influenciado por Turati e ala mais moderada do partido, ao liberal Giovanni Giolitti, e o seu partido Esquerda Histórica, para decretarem um programa que visava implementar o seguinte: respeito pelos direitos civis; reformas do sistema judicial, fiscal e administrativo; benefícios para idosos, grávidas e para pessoas doentes ou que tinham sofrido acidentes; a formação de comitês para analisar as condições e sugerir legislação para ajudar a melhorar a situação da classe trabalhadora; e o fim da quebra de greve do governo. Como um estudioso comentou, "quando um considera o estado da legislação social italiana antes e depois de Giolitti, não é um exagero dizer que ele a mudou quase num sentido revolucionário".

Em outubro de 1903 Turati é abordado novamente por Giolitti para formar governo. Infelizmente, Turati recusa a proposta de Giolitti pela instabilidade que tal ação faria no partido causada pelas alas mais extremistas. Desta forma, Giolitti vê-se obrigado a juntar forças com a direita para chegar ao poder, enquanto que o PSI fica a discutir entre si e culpando-se internamente, chegando a um ponto que até se considerava que o maior inimigo de um socialista era outro socialista. Parando assim as ondas de reformas sociais e políticas, que possivelmente, teriam abrandado ou até parado a ascensão de pessoas como Mussolini.

Turati à esquerda e Giolitti à direita
Turati à esquerda e Giolitti à direita

Tal falta de pragmatismo da ala marxista ortodoxa levou à degradação do seu apoio popular, levando a que os sociais democratas começassem a ganhar maior apoio. Em países como a Suécia, o partido socialista (Partido Operário Social Democrata da Suécia ou SAP) seguiria uma linha completamente diferente do PSI e do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD). Acreditava ser o representante de todas as classes trabalhadoras e progressistas e, consequentemente, achava que a abertura ao sufrágio universal abriria o caminho a uma democracia em todos os planos e ao socialismo. Para além disso, acabou por não ter conflitos civis causados ou por forças fascistas, ou marxistas ortodoxos ou mesmo ambos, muito provavelmente controlados pelas reformas sociais que conseguiram implementar com o apoio popular trazido pelo sufrágio universal (a Suécia vai ser referida ao longo deste artigo, mas se quiser informação mais detalhada sobre este país e o modelo nórdico recomendamos outro artigo nosso.).

Período entre guerras

Após a Primeira Guerra Mundial os partidos socialistas por quase toda a Europa começaram a ganhar ainda maior espaço político, embora continuasse a haver resistência interna contra a denominada democracia burguesa e alianças entre classes. Aqueles que ajudaram a trazer a democracia aos seus respetivos países, na época pré-guerra, (Alemanha, Suécia e Áustria) tornaram-se as principais forças desses regimes. Em outros países (como a Itália e a França), onde a democracia surgiu depois de 1914, o período entre guerras, não obstante, criou uma oportunidade para os socialistas se juntarem aos outros grupos e ajudarem a formar governos.

Embora as liberdades democráticas tenham chegado longe na Europa não convenceu, como era esperado, os marxistas ortodoxos. Esta intransigência levou a que os partidos socialistas ficassem muitas vezes de mãos cruzadas quando podiam estar a combater as forças reacionárias e nacionalistas. A subida ao poder de Hitler e Mussolini foram ajudadas com a instabilidade política criada pelos marxistas, tanto internamente nos partidos socialistas como externamente na democracia estabelecida, ao invés de estarem a combater os adversários políticos, estavam a combater-se a si próprios. Havia espaço para que surgisse uma ideologia que conseguisse captar o amplo sentimento anticapitalista, mas que também não continuasse com a narrativa marxista. Em países como a Itália e Alemanha quem conseguiu preencher esse vazio foram os fascistas e os nazis. Já em países como a Suécia a social democracia conseguiu estabelecer-se como uma alternativa democrática e assim vincar-se, evitando assim que as instituições democráticas não fossem prejudicadas, isto porque o movimento sempre foi mais presente lá que no resto da Europa.


O caso alemão

Não obstante, voltando aos exemplos anteriores, na Alemanha, a falta de vontade em cooperação política e de classes por parte de algum do SPD levou a que a República de Weimar fosse desestabilizada, já que a república era basicamente sustentada pelo SPD. Tanto a falta de vontade em cooperar, como também os ataques perpetuados pelo Partido Comunista Alemão (KPD) conseguiram alimentar a narrativa do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP) de que conseguiam ser uma alternativa ao dito comunismo soviético e ao mesmo tempo serem anticapitalistas, numa tentativa de serem anti sistema, já que na prática não se distanciaram muito do capitalismo. Desta forma, conseguiram cavalgar a onda que assentava na Alemanha, tirando assim o lugar do SPD e tornando-se o maior partido em 1932 e chegando assim à alternativa preferida pelos alemães.

Já em 1917, no congresso em Wurtzburgo, anos antes dos nazis terem uma pinga de poder, a ala social democrata pedia que o SPD realmente fizesse algo tendo um dos seus membros, Otto Stolten, dito que um partido grande que consegue influenciar o panorama político

… tem o dever de não se excluir, mas antes de usar todas as oportunidades que tem ajudar a classe operária no que for possível. Não podemos ter tudo, uma vez que não temos a maioria. A nossa política deve, portanto, ser uma de compromissos, e o partido tem de estar preparado para fazer esses compromissos, para que algo seja alcançado para os trabalhadores. Esta é a essência da política. Este tipo de política é há muito praticada, mas sempre recuada pela política revolucionária de demonstração.

O caso italiano

O mesmo acaba por acontecer na Itália com a subida do fascismo e de Mussolini ao poder, ajudado indiretamente pela falta de vontade e pela inércia por parte dos marxistas ortodoxos. Um dos membros mais conhecidos da ala social democrata do PSI que tentou mostrar que a sua falta de ação estava errada, para além disso, pretendeu providenciar uma alternativa ao marxismo economista e determinístico que acreditava ter destruído o movimento socialista, foi Carlo Rosselli. Famoso antifascista, jornalista e político, Rosselli argumentava que o PSI devia de participar na democracia instaurada, pois como escreveu no seu livro, Liberal Socialism, Rosselli argumenta que, tal como Bernstein, ele queria "unir" o melhor que havia do liberalismo e do socialismo e via o último como em muitos aspetos o sucessor do anterior.

O socialismo não passa de um desenvolvimento lógico levado às suas consequências extremas do princípio da liberdade. O socialismo, quando compreendido no seu sentido fundamental e julgado pelos seus resultados — como o movimento concreto para a emancipação do proletariado — é o liberalismo em ação; significa liberdade que entra na vida dos pobres. Diz o socialismo: o reconhecimento abstrato da liberdade de consciência e das liberdades políticas para todos, embora possa representar um momento essencial no desenvolvimento da teoria política, é algo de muito limitado quando a maioria dos homens, forçados a viver em consequência de circunstâncias de nascimento e ambiente na pobreza moral e material, são deixados sem a possibilidade de apreciar o seu significado e tirar qualquer proveito real dela. A liberdade sem acompanhamento e apoio de um mínimo de autonomia económica, sem emancipação da aderência da necessidade material premente, não existe para o indivíduo; é um mero fantasma.
Carlo Rosselli
Carlo Rosselli

O caso francês

Embora a Grande Depressão tenha atingido a França relativamente tarde e com menos impacto que as outras nações, era claro que já começava a sofrer nos inícios da década de 30. Deste modo, os socialistas decidiram juntar-se aos Radicais e assim cooperarem nas eleições de 1932, esta jogada acabou por ser um grande sucesso para ambos.

Resultado das eleições de 1932
Resultado das eleições de 1932

Ao início a Secção Francesa da Internacional Operária (SFIO) estava relutante em apoiar esta coligação, mas em 1933 quando Daladier, o líder dos Radicais, apresenta o Orçamento de Estado a bancada do SFIO vota a favor. Posteriormente, num congresso do partido, os deputados que votaram neste sentido são enxovalhados por parte do partido, onde até foram ameaçados de serem expulsos. Em outubro do mesmo ano, uma lei vinda do governo veio a votos e parte da bancada do SFIO votou a favor, e aí foi a gota de água, o partido retira o apoio parlamentar ao governo, causando a sua queda.

Os deputados expulsos formam então um novo partido denominado Partido Socialista Francês: União Jean-Jaurès (PSdF) formado por um grupo de "neosocialistas", como Marcel Déat. Pessoas como Déat sentiam-se enganados pela inércia do SFIO por não usar as alavancas do poder politico, tendo posteriormente na sua vida se virado para a extrema-direita francesa. Uma prova que já antecedia esta viragem foi o motto escolhido para o PSdF "Ordem, Autoridade, Nação". Tendo até Leon Blum afirmado que tais palavras o faziam lembrar um partido nacional socialista.

Deste modo, em 1936 os socialistas, sob circunstâncias iminentes de catástrofe, unem-se na Frente Popular (FP), constituída pelo SFIO, PCF (Partido Comunista Francês) e pelos Radicais, encabeçada por Léon Blum. Esta estratégia prova-se produtiva já que os torna o maior partido pela primeira vez, e empurra Blum para o cargo de Primeiro-Ministro. Blum, ao início, decide conduzir uma onda eufórica de reformas, que param repentinamente, e assim pouco fizeram para resolver os verdadeiros problemas de França, não chegando a ter um impacto real na sociedade e nas vidas dos franceses. Passado um ano, Blum resigna ao cargo por falta de apoio dos outros partidos, e assim o governo da Frente Popular chega ao fim.

A vitória da FP e a subida do seu líder representaram o último suspiro do antigo estabelecimento socialista, que durante o período entre guerras tinham sido mais fãs em manobrar dissidentes socialistas do que a encontrar uma fórmula de sucesso para um governo democrático moderno.

Léon Blum
Léon Blum

As mudanças do pós-guerra

A principal transformação no pensamento europeu pós-guerra é a relação entre o Estado, a economia e o indivíduo. Agora, o consenso era que o capitalismo e o liberalismo económico, se deixados por conta própria, seriam devastadores, como foram na Europa antes da Segunda Guerra Mundial. Tal era a unanimidade que até vimos partidos como a União Democrata Cristã (CDU) a declarar no seu programa de 1947 que: "a nova estrutura da economia alemã deve partir da constatação de que o período de domínio incontido do capitalismo privado acabou". Na França, o Movimento Republicano Popular (MRP), advogava ideias parecidas à CDU, dizendo no seu primeiro manifesto (1944) que apoiava uma "revolução" para criar um estado "libertado do poder daqueles que possuem a riqueza".

Konrad Adenauer
Konrad Adenauer

Deste modo, as nações da Europa Ocidental reconheciam que não mais os Estados estariam limitados a garantir que os mercados pudessem crescer e florescer, o interesse económico não deveria mais ter uma grande margem de manobra. Em vez disso, depois de 1945, o Estado passou a ser geralmente considerado o guardião da sociedade, e não da economia, os imperativos económicos foram muitas vezes forçados a ficar em segundo plano em relação aos sociais. Para além disso, os Estados comprometeram-se, explicitamente, a administrar o capitalismo e proteger a sociedade dos seus efeitos mais destrutivos. Em essência, o entendimento liberal da relação entre Estado, economia e sociedade foi abandonado.

Esta visão keynesiana foi acompanhada também do surgimento do Estado Social em grande parte da Europa. O seu surgimento deu nova importância e significância à associação em uma comunidade nacional, movendo da ideia que a sociedade se ajuda a um nível mais reduzido e restrito, normalmente a família, para algo mais comunitário que engloba o país todo. Também é importante denotar a importância do Estado Social na desmercantilização da pessoa, isto é, empoderar, não apenas o trabalhador, mas o cidadão, conseguindo com que este conquistasse uma relativa independência do trabalho no que toca à sua sobrevivência, dando-lhe acesso a serviços de forma universal e gratuita.

Deste modo, esta onda de ideias espalhou-se por toda a Europa Ocidental. Na França, onde Jean Monnet ajudou a planear a sua economia pós-guerra, apresentou um programa onde envolvia a proposição de objetivos amplos para a economia pelo Estado e, em seguida, o uso de uma variedade de ferramentas para induzir os atores económicos a cumpri-los ou a contribuir para eles. O Estado manipulou a oferta de crédito, por exemplo, para fazer com que as empresas realizassem certos tipos de investimentos e projetos em vez de outros.

Outro exemplo seria a Alemanha, que mesmo com os seus ordoliberais, viu o aumento do poder do Estado e de se comprometer a si próprio à proteção social. Em particular, o Estado alemão praticou o que alguns estudiosos se referiram como "intervenção discriminatória", em que os recursos foram usados para ajudar promover e proteger favorecidos "campeões nacionais". Na década de 50, por exemplo, o Estado alemão já absorvia cerca de 35% do PIB em impostos, que usou para influenciar a procura agregada bem como discriminar ativamente entre uma indústria e um propósito. O Estado também desempenhou um papel importante na condução de poupança e investimento, com talvez metade da formação de capital na RFA diretamente ou indiretamente financiada por meios públicos. Para além disso, o compromisso do Estado alemão em proteger a sociedade do tipo de turbulência económica e social que tinha contribuído para a ascensão de Hitler foi inconfundível. Ao lado de soluções tradicionais como o Estado Social, a Alemanha também desenvolveu uma série de políticas inovadoras, tais como a coprodução, que deu aos trabalhadores a capacidade de supervisionar, e em alguns casos até ajudar diretamente, negócios, decisões e a atividade no geral. Este sistema provou ser muito bem sucedido, e durante décadas ajudou os trabalhadores e a gestão a verem-se uns aos outros como "parceiros sociais" em vez de como adversários. Em suma, mesmo na Alemanha a economia política do pós-guerra foi caracterizado por um Estado bastante ativo e intervencionista, um compromisso firme para proteger a sociedade dos efeitos mais disruptivos do capitalismo, e uma crença na necessidade de fomentar a unidade social.

O pós-guerra para a social democracia

Como Sheri Berman diz no seu livro, The Primacy of Politics:

Ironicamente, embora a ordem do pós-guerra representasse um claro triunfo para os princípios e políticas sociais democratas, foi menos uma vitória para os próprios sociais democratas — tanto porque muitos na esquerda continuaram a se apegar a abordagens ideológicas menos promissoras quanto porque muitos não esquerdistas se moveram rapidamente para se apropriar dos pilares centrais do programa social democrata.
A perda de uma conexão vibrante e orgânica entre o revisionismo democrático e a ordem do pós-guerra foi parcialmente resultado da mudança geracional na esquerda. No final da guerra, muitos dos ativistas e intelectuais pioneiros do movimento socialista morreram ou emigraram para fora da Europa. Como os partidos de esquerda se empenharam em obter apoio e poder político, enquanto isso, eles naturalmente selecionaram como líderes tecnocratas e gerentes, em vez de intelectuais e ativistas — pessoas confortáveis ​​e boas na política comum dos tempos comuns. Esses novos líderes muitas vezes presidiam um poder sem precedentes e sucesso político, mas careciam da fome, da centelha criativa e da sofisticação teórica dos veteranos. Como resultado, nas últimas décadas do século XX, a esquerda democrática se distanciou amplamente dos fundamentos e objetivos originais da social democracia, apegando-se apenas às medidas políticas específicas que seus antecessores haviam defendido décadas antes. Poucos reconheceram que essas políticas, embora realizações cruciais na sua época, foram originalmente vistas apenas como um meio para fins maiores, e menos ainda, não cuidaram o suficiente da inovação original do movimento de ser capaz de forjar respostas inovadoras aos desafios contemporâneos. Isso deixou-os vulneráveis ​​a outras forças políticas que aparentemente oferecem melhores soluções para problemas urgentes.

Mesmo depois dos desastres que os partidos socialistas sofreram antes de 1939, muitos deles continuaram com a mesma abordagem. O SPD com Kurt Schumacher, que continuava a advogar o conflito entre classes e a não cooperação com outros partidos. Estas posições ajudaram a sua derrota nas eleições de 49 e a uma mudança profunda do partido. Esta mudança foi trazida pelo programa Bad Godesberg, que cortava ligações entre o SPD e o marxismo, fazendo triunfar a corrente de Bernstein e a derrota da de Kautsky, no entanto, Bernstein, também pode ter ficado um pouco perturbado, pois a mudança foi pelo menos tão pragmática quanto baseada em princípios, motivada por um desejo de romper uma política gueto, em vez de uma decisão de traçar um curso ousado para o futuro.

Kurt Schumacher
Kurt Schumacher

Num país onde o nacional-socialismo era uma memória recente e o socialismo "real, existente" estava a ser contruído mesmo ao lado, o desejo de evitar ideologia e grandes projetos talvez seja fácil de entender. E isso foi possível pela transição da liderança para Ollenhauer nos anos 50, um burocrata do partido, dedicado a lubrificar as engrenagens de uma máquina burocrática que funcionava sem problemas, que estava tão distante das paixões políticas consumidoras que demitiram Kurt Schumacher quanto qualquer um no SPD poderia ser. Mas se a de-ideologização do SPD o tornou mais palatável e menos assustador para os eleitores, e de facto acabou por levar a uma expansão do apoio do partido e da sua participação no governo, também tinha suas desvantagens. Em particular, ele tornou o SPD inútil como um nexo para criar e reproduzir aspirações utópicas, alienando do partido os insatisfeitos com o status quo e procurando o transformar em algo melhor.

Ollenhauer é sucedido por Willy Brandt, um dos jovens idealistas ainda crentes nas ideias que Bernstein professava anos antes, torna-se primeiro-ministro e líder do SPD, tendo desta forma liderado uma onda eufórica de reformas que lhe viriam a dar um estatuto no mundo social democrata similar a de Olof Palme, mas devido a escândalos é obrigado a demitir-se e a dar lugar a um membro mais centrista do seu partido, Helmut Schmidt.

Já no final da década de 70, o SPD havia se tornado tão integrado no sistema, e tão inflexível e ideologicamente exausto, que o descrédito parcial da sua liderança pela estagnação económica foi um golpe do qual ele ainda não recuperou. Ao longo da geração seguinte, o partido sofreu uma hemorragia de membros e tornou-se cada vez mais um lar para os idosos e beneficiários do status quo. Perdeu o apoio dos jovens e radicais, bem como de muitos pobres, desempregados e alienados. Muitos dos primeiros viraram à esquerda para os Verdes, e alguns dos últimos recentemente se voltaram para o populismo de direita e esquerda. Na falta de algo distinto para oferecer, o esvaziado SPD agora encontra-se eleitoralmente vulnerável, sujeito a divergências internas e cada vez mais incapaz de gerar entusiasmo ou compromisso, que antes tão bem conseguia captar.

O mesmo acabou por acontecer na França e Itália, onde tanto o SFIO como o PSI se tornaram redundantes, tendo dado lugar ao Partido Socialista (PS) e ao Partido Comunista Italiano (PCI), respetivamente.

Felizmente, nem todos os partidos socialistas (sociais democratas/socialistas democráticos) sofreram o mesmo destino. Como de costume, os suecos saíram-se muito bem, em grande parte, porque ao contrário da maioria de seus colegas em outros lugares, eles entendiam e acreditavam no que estavam a fazer. O SAP foi capaz de prosperar nas urnas e manter sua distinção ao reconhecer que as duas tarefas eram, de facto, complementares: a capacidade do partido de integrar iniciativas políticas individuais em um todo social democrata, mais amplo, garantiu que permanecesse mais vibrante e bem sucedido do que a maioria das suas contrapartes no resto da Europa.

Conclusão

Esperamos que com a leitura deste artigo tenha sido possível demonstrar que, corretamente compreendida, a social democracia é muito mais do que a simples defensora de políticas ou valores particulares como o Estado Social, a igualdade ou a solidariedade. Nem é meramente uma versão diluída do marxismo ou uma versão acalmada do liberalismo, mas sim, pelo menos como originalmente concebido, uma ideologia distinta e um movimento político singular.

A social democracia tem os seus primórdios com o revisionismo democrático de uma personagem política importantíssima do SPD, Eduard Bernstein, que achava que o partido perdia em não apostar numa cooperação entre classes, alianças partidárias e na primazia da política. Via que muitas das previsões marxistas, por exemplo a que o capitalismo acabaria por se arruinar a si próprio, a não se concretizar, esta ideia veio a ser reforçada com a Grande Depressão.

Quadro político do Partido Social Democrata Independente da Alemanha (USDP), a que Bernstein também pertencera, no dia 5 de dezembro de 1919.
Quadro político do Partido Social Democrata Independente da Alemanha (USDP), a que Bernstein também pertencera, no dia 5 de dezembro de 1919.

Só na geração seguinte à de Bernstein é que as suas ideias começam a ganhar vincar-se e a serem mais aceites, é na década de 1930, que o projeto começado por ele e outros pensadores estava completo. Um novo movimento político que personificava os seus próprios princípios e políticas tinha nascido, a social democracia representava a final e completa separação do socialismo com o marxismo.

O pós-guerra trouxe uma mudança de ideias e um novo consenso, em que os princípios e políticas sociais democratas eram amplamente aceites. Especialmente, a primazia da política e o comunitarismo. Deste modo, a visão da relação entre o Estado, mercado e sociedade era completamente diferente daquela de nas décadas anteriores. Vê-se algumas pessoas a referirem-se a esta nova ordem como um "liberalismo incorporado", como uma versão atualizada ou mais suave do regime liberal que reinou ao longo do início do século XX, é, portanto, uma leitura equivocada da natureza e do significado da mudança que ocorreu após 1945. Em vez disso, devemos reconhecer esta ordem como fundamentalmente social democrata. Além, portanto, de ser vista como uma ideologia e um movimento distinto, a social democracia também deve ser vista como a ideologia e o movimento mais bem sucedidos do século XX. Os seus princípios e políticas sustentaram o período mais próspero e harmonioso da história europeia, reconciliando coisas que até então pareciam incompatíveis: um sistema capitalista em bom funcionamento, democracia e estabilidade social.

Olof Palme
Olof Palme

Já na década de 70 e 80 a social democracia sofre uma nova viragem influenciada pelo neoliberalismo, começando assim a aparecer uma corrente de ideias chamada de terceira via, vanguardeada por pessoas como Tony Blair e Gerhard Schröder. Este "duplo revisionismo" demarcava-se por não querer transformar ou transcender o capitalismo de nenhuma forma fundamental, eles favorecem políticas que podem fornecer, por exemplo, uma "rede de segurança" para os pobres e desfavorecidos mas querem evitar desafiar os princípios do mercado, sempre que possível, nunca lutando pela ativa desmercantilização do trabalhador.

O futuro

Longe de ser uma força esgotada a social democracia, quando interpretada corretamente, oferece um roteiro impressionante do século XXI para políticos em países industriais avançados e também no mundo em desenvolvimento. É apenas porque tais debates foram esquecidos ou mal compreendidos que as discussões contemporâneas da social democracia são tão superficiais e intelectualmente empobrecidas, e é por isso que é tão importante refrescar a memória coletiva da esquerda democrática sobre o seu passado.

O capitalismo e o mundo mudaram, por isso, os novos sociais democratas devem também de se saber adaptar a esta nova realidade, mas não largando os seus princípios que fazem desta ideologia tão única e com tanto sucesso provado. Agora que a globalização ajudou a enevoar o sentimento e ideia de nação, os sociais democratas atuais, devem, como os seus antecessores, apontar o seu poder político e social para a democratização das novas instituições supranacionais, como a UE, o FMI, a OMC, etc. O sentido de comunidade deve ser recuperado, agora que os países já não são homogeneamente iguais é mais difícil captar este sentimento, mas não é impossível. Em vez de se apelar a só um sentimento de nação e de pátria, devemos também apelar à aceitação de certas regras e normas. Os sociais democratas devem insistir na natureza não negociável de certos valores políticos, sociais e culturais, ao mesmo tempo que afirmam que a integração dos imigrantes é um bem moral e uma necessidade prática.

O movimento precisa de um renascimento, não só a nível de ideias, mas também de pessoas. Os partidos sociais democratas têm que apelar não só a tecnocratas e a políticos profissionais, mas, preferencialmente, também a ativistas e a políticos "por paixão", estes são aqueles que ascenderam a chama inicial da social democracia e os seus sucessores que até hoje não a deixaram extinguir.

Cartaz da LO (confederação sindical sueca) que representa as três democracias, a "democracia económica, a democracia política e a democracia social".
Cartaz da LO (confederação sindical sueca) que representa as três democracias, a "democracia económica, a democracia política e a democracia social".

Novamente, citamos Sheri Berman no seu livro:

É possível ganhar eleições sem proclamar qualquer compromisso com a ideologia ou o desejo de mudar o mundo. Mas, com o tempo, as partes que o fazem transformam-se em zombies, perdendo o ânimo, o entusiasmo e a capacidade de enfrentar as dificuldades. Isso é precisamente o que está acontecendo em toda a Europa hoje em dia, os partidos sociais democratas continuam a se sair razoavelmente bem nas urnas e aderem aos governos, mas os seus números de membros caíram dramaticamente e muitos oferecem uma versão mais gentil que os seus oponentes.
Dada a história do movimento, tal situação é simplesmente surpreendente. Por mais pragmáticos e flexíveis que sejam os sociais democratas ao longo dos anos, formulando seus apelos práticos e adaptando seus programas a circunstâncias particulares, eles sempre foram movidos pela convicção de que um mundo melhor era possível e que era sua tarefa realizá-lo. De Eduard Bernstein a Henrik de Man, de Carlo Rosselli a Per Albin Hansson, os verdadeiros sociais democratas sempre pensaram em políticas específicas não apenas como fins em si mesmas, mas também como passos em direção a um futuro melhor. Em outras palavras, eles acreditavam não apenas que não havia contradição entre políticas voltadas para o presente e metas voltadas para o futuro, mas que, na verdade, não se podia, ou não se devia, ter uma sem a outra. A social democracia, pelo menos como
originalmente imaginada, baseava-se na visão de que integrar teoria e práxis era a chave para a vitória política e que transformar o mundo existente era o objetivo final.

Como os grandes sociais democratas do final do século XIX e início do século XX reconheceram, a coisa mais importante que a política pode fornecer é um senso do possível. Contra o determinismo marxista e o laissez-fairismo liberal eles defendiam o desenvolvimento de uma ideologia política baseada na ideia de que, apesar de tudo, as pessoas trabalhando juntas poderiam e deveriam tornar o mundo um lugar melhor. O resultado foi o mais bem sucedido movimento político do século XX. Os problemas do século XXI podem ser diferentes na forma, mas não são diferentes no tipo, não há razão para que a conquista não possa ser repetida.

Por último, partilhamos um vídeo de Olof Palme em que este fala sobre o que o levou a ser socialista democrático/social democrata e o que isso significa.

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